terça-feira, março 25, 2008

Eulália

Eram dez da noite e estava de novo sozinha em casa. Aos 83 anos de idade já não encontrava muitos dias como o de hoje: felizes. Nos últimos anos assistiu à partida dos amigos e familiares que lhe restavam. Mortes que a fizeram sofrer, que sentiu como sentiria a sua própria morte, mas acima de tudo que lhe lembravam a clausura que fora a sua vida conjugal por um lado, e a felicidade do seu trabalho como professora primária por outro. Trabalho a que uma reforma não ansiada a veio resgatar, havia já 18 anos (meu Deus, como o tempo passa!). Mas hoje foi um dia feliz, à parte estes laivos de nostalgia.
Ser velho é isto mesmo, já sabia há muito. Ser velho é ver morrer as outras crianças da nossa idade - levando consigo pedaços de um espelho partido - que somos nós (e a nossa memória) - que de tão fragmentado pelo tempo e pelas rugas, já não reflecte nada a não ser a poeira em que nos vamos tornando. Ser velho é ser feio outra vez. É depender da condescendência dos outros, ser menosprezado. Saber que o mundo ainda faz sentido mas que isso já pouco importa, que para os outros nos tornámos dementes. É cobrir a cabeça com o lençol e esquecer a vontade de chorar.

2 comentários:

Susana Catarino disse...

Se se esquece a vontade de chorar também se esquece a vontade de sorrir e portanto a vontade de tudo... de viver... esse tipo de velhice é inútil. E é inútil a vida daqueles que nascem nesse tipo de velhice.

r.e. disse...

isto é um início. quero saber mais. J.